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Uma cidade enrolada em fios: Emaranhados em postes da Coelba poluem visualmente Salvador e levam riscos ao cidadão
Com ausência de fiscalização e jogo de empurra-empurra, emaranhados de fios em postes viram marca registrada de Salvador, enquanto Neoenergia Coelba culpa operadoras de telefonia e internet
16/05/2024 11h38
Por: Ramon Santos (DRT-6448/BA) Fonte: Metro1
Foto: Metropress/Filipe Luiz

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 16 de maio de 2024

A imagem se repete pelos quatro cantos da capital: emaranhados de fios interligados aos postes da rede elétrica sob concessão da Neoenergia Coelba ao longo de toda cidade que, além de poluírem bastante a paisagem urbana, atrapalham a arborização, prejudicam os serviços oferecidos ao consumidor e colocam em risco a segurança do próprio cidadão que transita pelas ruas. O problema é resultado do baixo investimento para expandir a rede subterrânea, o deserto de fiscalização no sistema e o compartilhamento da infraestrutura por parte das operadoras de telefonia e internet banda larga, cujo sinal é transmitido por cabo ou fibra ótica.

Para entender como os postes da Coelba começaram a virar gigantescos ninhos de fios - em muitos casos, soltos pelas calçadas -, é preciso retroceder a 16 de julho de 1997, ano em que foi promulgada a Lei Geral das Telecomunicações. Basicamente, a legislação estabelece o direito que as operadoras de telefonia e internet têm de utilizar a estrutura da Coelba para distribuição de suas redes, regulamentado sucessivamente por resoluções normativas a cargo da Aneel, responsável por regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica em todo o país, sob regime de concessão à iniciativa privada.

À época, o dispositivo foi incluído justamente como forma de reduzir o impacto que seria causado nas cidades se cada operadora tivesse que montar a própria rede. Para isso, adotou-se o modelo de compartilhamento da estrutura com concessionárias de energia. A mesma regra obriga, por exemplo, que as telefônicas possam usar torres de transmissão de sinal da concorrente, para que as cidades não fossem inundadas por equipamentos do tipo. Na prática, porém, o resultado foi outro. Basta transitar por Salvador para constatar com facilidade o tamanho do efeito negativo sobre a paisagem urbana e do perigo que as pessoas correm por causa dos extensos novelos de fios.

Perigo Acima

Desde 2018, incêndios na rede de distribuição da Coelba passaram a fazer parte do noticiário com frequência cada vez maior. A exemplo do que ocorreu em 2 de maio deste ano na fiação entre dois postes situados no Stiep, em frente ao novo campus do Instituto Federal da Bahia (IF Baiano), instalado na antiga sede do Tribunal de Contas da União (TCU). Na ocasião, testemunhas disseram que o fogo provocou a queda de fios e assustou quem circulava pelo local no momento do incidente. Até que a equipe de bombeiros controlasse as chamas e a Coelba concluísse os reparos na rede, parte da região teve os serviços de energia e internet interrompidos por horas.

Ao longo dos últimos dois anos, foram registradas pela imprensa ocorrências semelhantes em pelo menos 13 bairros de Salvador: Imbuí, Castelo Branco, Pernambués, Cabula, Graça, Santa Mônica, Uruguai, Cajazeiras, Ribeira, Nordeste de Amaralina, Pirajá, Pituba e Arraial do Retiro, onde a fiação de um poste da concessionária pegou fogo, que atingiu um sobrado, no último dia 23 de março, e obrigou os moradores a pularem da janela para escapar das chamas. Na maioria dos casos, a Coelba disse que os incêndios tiveram origem em fios e cabos de telefonia e internet. É aí que entra o bom e velho jogo de empurra.

“As prestadoras de serviços de telecomunicações seguem os padrões estabelecidos em regulamentos e normas técnicas para a instalação de fios e cabos nos postes, incluindo o pagamento pelo uso da infraestrutura, e mantêm equipes de prontidão para manutenção permanente e atendimento de eventuais emergências. A fiscalização cabe à empresa proprietária do poste que deve acionar as empresas de telecomunicações para reparos em caso de necessidade”, disse a Conexis Brasil Digital, entidade que representa as empresas do setor.

Ainda segundo a Conexis, a legislação em vigor determina que “a Neoenergia Coelba deve adotar modelos de postes que respeitem as normas técnicas brasileiras, que garantam a prestação adequada do serviço e a segurança das pessoas e das instalações”. A distribuidora também deve dar a devida manutenção nessas estruturas ao longo do tempo”. Por sua vez, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirma que cabe às distribuidoras de energia elétrica “detalhar as regras de utilização dessa infraestrutura e realizar a boa gestão dos postes, atividade pela qual são remuneradas pelos prestadores ocupantes, podendo ser acionadas em caso de irregularidades”.

Trocando em miúdos, a concessionária tem controle total dos postes e obrigação de fiscalizar o bom uso da fiação que passa por eles. Para isso, cobram das operadoras de telefonia e internet pelo uso da estrutura, de acordo com regras fixadas pelas agências. “A Neoenergia Coelba esclarece que o contrato que estabelece o uso mútuo das estruturas da rede elétrica é baseado em estudos da Aneel e Anatel e pode variar de acordo com a quantidade de postes e a faixa de ocupação em cada estrutura. O preço e a metodologia de cobrança seguem as determinações das agências reguladoras e variam conforme contrato”, destaca a companhia.

“As empresas de telecomunicações que utilizam os postes precisam estar regularizadas e atender às normas técnicas e comerciais específicas. O compartilhamento de postes e os contratos de cessão são determinados pelas Resoluções Conjuntas 001/1999 e 002/2001 da Aneel, Anatel e ANP (Agência Nacional do Petróleo). Atualmente, a distribuidora mantém contrato com 111 empresas de telecomunicações, dentre as mais de 700 autorizadas pela Anatel para atuar no estado da Bahia”, emendou a concessionária.

A Coelba disse também que remove todo ano dezenas de toneladas de fiação irregular instalada por empresas de telefonia e internet. Até a primeira quinzena de maio, a conta chegou a 98 toneladas. Em 2023, foram 268. Entretanto, sem fiscalização constante e investimentos capazes de minimizar o problema, a enxurrada de fios continuará a poluir visualmente a cidade, causar interrupções frequentes no fornecimento de energia e deixar a população sob risco iminente.

Foto: Leito Metro1/Metropress

Por que não investe em rede subterrânea?

O problema causado pelos emaranhados de fios tem origem, sobretudo, na opção pelo uso da rede elétrica aérea, em detrimento da subterrânea, tendência crescente em grandes cidades de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, como Paris, Londres, Nova York e até Buenos Aires, onde a substituição começou a partir de uma grande reforma promovida pela prefeitura da capital argentina em 1950. Embora o sistema ainda permaneça em bairros de Buenos Aires, uma lei em vigor desde 2005 impede novas fiações sobre o solo.

O argumento usado pelas concessionárias de energia para explicar o baixo índice da rede subterrânea no Brasil é de que os investimentos para implantar o modelo aéreo são aproximadamente dez vezes menores e que mudar provocaria, inevitavelmente, um salto no valor da tarifa paga pelo usuário. As manutenções também são apontadas pela Coelba como impedimentos para a mudança de padrão.

Para consertar redes subterrâneas, argumentou a Coelba, o trânsito seria afetado, causando transtornos à circulação de veículos e pessoas na capital baiana. Só não entra na análise da concessionária o fato de que a necessidade de reparos e ajustes em um modelo que não sofre com quedas de postes por acidentes automotivos, incêndios ou intempéries naturais, cada vez mais comuns e agressivas diante das mudanças climáticas, que não se sobrecarrega em emaranhados de fios e nem é acometida por furtos de cabos, é infinitamente menor do que a demanda atual.

Ao mesmo tempo, a legislação estabelece que o subsolo é de competência do Poder Público municipal. Ou seja, cabe a ele arcar com custos para a montagem de redes elétricas subterrâneas. Em locais de Salvador onde elas foram implantadas, a exemplo da orla da Barra, a prefeitura pagou à Coelba pela realização do serviço em 2013. Isso explica também porque, atualmente, apenas 5,49% da capital está coberta pelo modelo