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Semana Santa: o escândalo da cruz e a subversão do existir

A morte, no vocabulário freudiano, é o limite do princípio do prazer.

Por: Everton Carneiro
16/04/2025 às 23h12 Atualizada em 16/04/2025 às 23h17
Semana Santa: o escândalo da cruz e a subversão do existir
Foto: Reprodução

A Semana Santa, quando esvaziada de seu sentido ritualístico e moralizante, é uma convocação profunda à transgressão do existir. Jesus de Nazaré, o subversivo do amor, não foi morto por “nossos pecados” no sentido tradicional da teologia sacrificial. Foi eliminado pelo sistema político-religioso por ousar viver de forma plena, radicalmente humana, demasiadamente humana. Sua paixão, morte e ressurreição não são eventos lineares de um drama sagrado, mas signos abertos a uma interpretação que rasga os véus da conformidade. Aqui, propõe-se uma leitura em três chaves: a semiótica greimasiana para a paixão, a psicanálise freudiana para a morte e a mitologia como hermenêutica da ressurreição — tudo à luz de uma postura existencialista e insurgente.

Na paixão de Jesus, vemos não uma aceitação passiva do sofrimento, mas um encadeamento semiótico de atos de resistência. À maneira de Greimas, os gestos de Jesus formam um percurso narrativo no qual ele se constitui como sujeito em constante tensão com os actantes de poder: o Império, o Templo, o povo e seus discípulos. Ele assume a função do “anti-herói sagrado” — aquele que, ao invés de cumprir o contrato estabelecido pela cultura dominante, o desestabiliza. Seu corpo é um signo — marcado, cuspido, atravessado. A paixão é o texto da carne insurgente. Jesus não é apenas levado à cruz: ele a assume como signo último da sua entrega total ao humano, como quem diz: “sou com vocês até o fim — até o absurdo”.

A morte, no vocabulário freudiano, é o limite do princípio do prazer. A cruz, neste sentido, representa o colapso do ego racional diante do real insuportável: o abandono, o não sentido, o “Deus meu, por que me abandonaste?”. Ali, no ponto de ruptura, toda fantasia narcísica de um messias triunfante se desfaz. Jesus morre como morre o homem que enfrenta o abismo do inconsciente — sem garantias, sem amparo, sem defesa. Sua morte é também o desvelamento do recalque coletivo: a verdade insuportável de que a religião, o Estado e os discípulos preferem um Deus morto a um homem livre. Jesus não morre por pecados abstratos, mas porque sua existência era uma ameaça à ordem simbólica dominante. Seu fim é também um espelho: diante da morte, todo sujeito é lançado à própria finitude, à sua angústia mais primitiva.

A ressurreição, não só como um fato empírico, é uma irrupção mítica — o retorno do símbolo quando a história parece fracassar. Jesus ressurge não como um zumbi triunfal, mas como figura mitológica da fidelidade radical à vida. Ele não volta para vingar-se dos inimigos, mas para (re)convocar os seus ao caminho do amor. A mitologia, aqui, opera como linguagem daquilo que é maior que a morte — não no sentido sobrenatural, mas no sentido existencial: viver mesmo depois de morrer. Ressuscitar é manter-se presente como ética, como horizonte de sentido, como provocação contínua. É por isso que ele aparece aos que o amavam e o traíram, não aos que o condenaram — porque a ressurreição é sempre íntima, afetiva, transformadora.

A Semana Santa, nesta chave, não é um chamado à resignação, mas à revolução do ser. Jesus, o crucificado e ressuscitado, não pede adoração, mas seguimento. Não quer templos, mas gestos. Sua paixão é subversiva, sua morte é reveladora, sua ressurreição é insurreição mítica contra todo niilismo, fascismo e pensamento baseado em estrutura conservadora. Existir, à maneira dele, é tornar-se corpo de resistência e presença simbólica na história. Amar até o fim é sempre um ato político. Ressuscitar é nunca deixar que o amor morra!

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