Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 16 de fevereiro de 2023
Na manhã de 31 de agosto de 1983, uma quarta-feira, o maquinista Deraldo José Nascimento, funcionário da Rede Ferroviária Federal S.A., operava o trem composto pela locomotiva PF 162-161 e 22 vagões-tanque. Carregado de gasolina e diesel, o comboio estava a serviço da Petrobras. Partira da Refinaria Landulpho Alves, em São Francisco do Conde-BA, com destino ao Terminal Riachuelo, em Laranjeiras-SE.
Às 6h50, no km 82 da ferrovia, zona urbana de Pojuca-BA, a composição descarrila. Três dos cincos vagões abarrotados de gasolina tombam. Cada um levava 40 mil litros do combustível, que começa a escorrer para casas às margens da linha férrea.
O acidente muda a rotina da cidadezinha de seis mil habitantes, situada na zona norte da região metropolitana de Salvador, a 75km da capital. Naquele início dos anos 1980, Pojuca era uma espécie de cidade-dormitório. Durante o dia, parte da população saía para trabalhar em municípios vizinhos.
A notícia sobre o vazamento logo se espalha. Em pouco tempo, crianças e adultos saqueavam a carga. Com baldes, bacias, latas e botijões, carregam gasolina para vender ou estocar em casa. O movimento invade a noite. É mostrado no horário nobre das TVs.
Cenas dantescas
Pouco depois das 20h30, quando o acidente já é notícia em todo o país, de repente, um estrondo se sobrepõe ao alarido da multidão. Um clarão rompe a escuridão da noite. Explode, naquele momento, o barril de pólvora em que Pojuca se transformara ao longo do dia.
As cenas são dantescas. Uma língua de fogo varre a Rua da Piedade – situada num nível mais baixo que a ferrovia – e leva gente, animais e casas. Tochas humanas correm rua afora. Pessoas são transformadas em carvão. Saldo inicial da tragédia: 36 corpos carbonizados, dezenas de feridos graves, 13 imóveis destruídos. Nos dias seguintes, mais pessoas iriam a óbito, perfazendo um total de 99 mortos.
Inicialmente, os feridos são levados ao Hospital Getúlio Vargas, no Canela, em Salvador. Sem dar conta da demanda, o HGV ganha o apoio de 11 hospitais da capital, no atendimento às vítimas. Em paralelo, o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, na Avenida Centenário, é palco de um macabro espetáculo: a exposição de corpos carbonizados, para o difícil processo de identificação.
Enquanto esse drama se desenrola, os principais atores trocam farpas. Acusada de omissão pela opinião pública, a Petrobras joga a culpa na RFFSA. Para se defender, a Rede tacha de incompetentes a Prefeitura local e a Polícia Militar. Era um jogo de empurra, uma babel na qual todos falavam e ninguém se entendia.
Após batalhas judiciais, a RFFSA foi condenada na esfera cível a indenizar as famílias atingidas no desastre. Já na instância criminal, não houve punição, apesar de o Ministério Público ter denunciado sete pessoas como responsáveis pelo incêndio. Depois de quase oito anos sem movimentação, a Ação Penal 240/85, instaurada na comarca de Catu-BA, foi arquivada definitivamente em 7 de novembro de 1994.