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Editais da Cultura de Dias D’Ávila entram na mira de órgãos de controle por suposto uso indevido de verbas federais

Recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) teriam sido aplicados em ações de capacitação e publicidade institucional, segundo análise técnica obtida pelo É Notícias

Ramon Santos (DRT-6448/BA)
Por: Ramon Santos (DRT-6448/BA)
03/11/2025 às 12h00
Editais da Cultura de Dias D’Ávila entram na mira de órgãos de controle por suposto uso indevido de verbas federais
Foto: Reprodução

Os editais lançados pela Secretaria Municipal de Cultura de Dias D’Ávila para execução dos recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) levantam suspeitas de uso indevido de verbas federais e possível desvio de finalidade.

Documentos analisados pelo É Notícias e pareceres de especialistas apontam que o município pode ter transformado o fomento cultural — que deveria beneficiar artistas, grupos e coletivos — em um modelo semelhante a uma “licitação disfarçada”, concentrando recursos e simulando processos de contratação de serviços.

O Edital nº 04/2025 – “Capacita Cultura” é o mais questionado. De acordo com o texto oficial, o objetivo seria “promover ações formativas e de qualificação na área cultural, voltadas à gestão, produção e empreendedorismo criativo”.

O documento, no entanto, destina R$ 27.280,63 a uma única empresa privada, sob o formato de termo de execução cultural, para ministrar oficinas e capacitações. Embora a PNAB permita a participação de pessoas jurídicas, juristas afirmam que o texto utiliza recursos federais para finalidades que deveriam ser custeadas pelo próprio município, como ações de capacitação e formação continuada na área de cultura.

Segundo especialistas, capacitação e formação de agentes culturais são deveres permanentes do poder público e devem ser executados com verbas orçamentárias próprias, não com recursos de fomento federal voltados à sociedade civil.

“O município não pode usar o dinheiro do fomento, que é destinado aos fazedores de cultura, para realizar cursos ou programas que fazem parte de suas obrigações administrativas. Isso desvirtua completamente a finalidade da PNAB”, explica o advogado e pesquisador em gestão cultural Lucas Freitas.

O edital exige plano de trabalho, metas, produtos e relatórios de execução, com monitoramento direto pela Secretaria de Cultura — características típicas de um contrato administrativo. Além disso, prevê vigência, cláusulas de prorrogação e obrigações contratuais, o que reforça o formato de contratação indireta de serviço público.

Na análise de juristas consultados, o “Capacita Cultura” pode apresentar irregularidade grave, pois teria usado recursos federais destinados a artistas e grupos locais para executar atividades de interesse interno da própria Secretaria, o que contrariaria o princípio da descentralização e o objetivo social da PNAB.

Outro documento que levanta questionamentos é o Edital nº 05/2025 – “Influencer Digital Cultural”, cujo objetivo declarado é “selecionar influenciadores digitais para divulgação de ações culturais e fortalecimento da comunicação institucional sobre as políticas culturais do município”.

O valor previsto é de R$ 27 mil, a ser concedido a apenas um participante selecionado por critérios de alcance e engajamento em redes sociais.

De acordo com especialistas, o edital utiliza verba de fomento federal para financiar ações de publicidade e comunicação institucional da Prefeitura, o que também configura desvio de finalidade.

“A PNAB foi criada para apoiar diretamente artistas, coletivos e grupos culturais. Usar esse recurso para promover comunicação de governo, ainda que sob o pretexto de divulgação cultural, afronta o princípio da finalidade pública e o caráter descentralizador da lei”, avalia a advogada e consultora em políticas culturais Rita Mendes.

O valor do “Influencer Digital” é superior ao orçamento de editais como o Festival Voz Estudantil, que distribuiu R$ 21 mil entre dezenas de jovens artistas locais — o que reforça o caráter concentrador das ações.

Além da formatação empresarial, ambos os editais exigem CND municipal, conta bancária específica, currículo e portfólio técnico, requisitos que acabam restringindo a participação de coletivos informais e artistas independentes — justamente o público prioritário da PNAB.

“O fomento não é para quem tem estrutura contábil e jurídica consolidada. É para fortalecer a base cultural, que normalmente não tem CNPJ nem assessoria fiscal”, acrescenta a produtora cultural Ana Paula Santana.

Outro ponto que gera preocupação é o prazo de inscrição: apenas cinco dias (de 17 a 21 de outubro de 2025), com entrega presencial de documentos em horário comercial. Conforme o Diário Oficial de 24 de outubro, apenas um inscrito foi habilitado em cada edital — situação que levanta suspeitas de baixa concorrência e possível direcionamento.

A comissão de seleção também é alvo de críticas. Os documentos indicam que a avaliação será feita apenas por servidores municipais, sem participação do Conselho Municipal de Cultura ou de representantes da sociedade civil. Tal formato contraria o artigo 8º da Lei Aldir Blanc II (Lei 14.399/2022), que assegura participação social e transparência nos processos de fomento cultural.

Esta não é a primeira vez que a Secretaria de Cultura de Dias D’Ávila é citada em apurações. Em agosto de 2025, o É Notícias revelou com exclusividade que o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) apura possíveis irregularidades na aplicação de R$ 101.619,88 oriundos da Lei Paulo Gustavo, em um caso que envolveria servidores e produtores locais.

A investigação examina indícios de conflito de interesses, movimentação financeira atípica e possível uso indevido de recursos públicos. À época, a Prefeitura informou que havia instaurado procedimento interno e que tomaria as medidas cabíveis caso as suspeitas fossem confirmadas.

O processo segue em análise pelo MP-BA e pela Polícia Civil da Bahia, que avaliam eventual enquadramento nas esferas de peculato, improbidade administrativa ou obstrução de justiça.

As Portarias nº 002/2025 e nº 003/2025, que instituíram as comissões de avaliação dos novos editais, não divulgaram os nomes dos membros nem os critérios de pontuação — o que, segundo juristas, descumpre o princípio da publicidade previsto na Lei 14.903/2024 e no Decreto 11.740/2023.

Especialistas alertam que, se confirmadas as falhas, a gestão poderá ser obrigada a devolver recursos, enfrentar glosas e ter novos repasses suspensos, além de responder por improbidade administrativa.

Na esfera civil, órgãos como o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA), o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) podem determinar ressarcimento integral dos valores, bloqueio de bens e responsabilização administrativa.

Já na esfera penal, os casos podem ser analisados pela Justiça Federal e pelo MPF por supostos crimes como peculato, fraude em processo público e falsidade ideológica, com penas que podem incluir reclusão e perda de função pública.

A legislação federal também prevê responsabilidade solidária dos beneficiários, o que significa que quem recebe recursos federais de fomento pode responder conjuntamente se comprovado que se beneficiou de forma irregular.

Na prática, os editais analisados acabam substituindo o fomento cultural — voltado ao incentivo direto a artistas, grupos e coletivos — por contratações pontuais e concentradas, sem retorno cultural proporcional.

A ausência de pluralidade, de contrapartidas sociais e de participação popular fragiliza o objetivo da PNAB de garantir acesso democrático, diversidade cultural e fortalecimento das expressões locais.

Os pedidos de esclarecimento foram encaminhados à Secretaria Municipal de Cultura e à Prefeitura de Dias D’Ávila, mas até o fechamento desta edição não houve resposta oficial. O espaço segue aberto para manifestação das partes citadas, conforme prevê o direito de resposta e o compromisso do É Notícias com a transparência e o contraditório.

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