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Salvador, onde a chuva cai, a lancha brilha e o povo… boia.

Alexander Gomes critica prioridades da Prefeitura e denuncia que o investimento em eventos náuticos expõe a desconexão da gestão com a realidade de Salvador, marcada por alagamentos e vulnerabilidade climática

Alexander Gomes
Por: Alexander Gomes
24/11/2025 às 19h03 Atualizada em 25/11/2025 às 19h17
Salvador, onde a chuva cai, a lancha brilha e o povo… boia.
Foto: Reprodução

O barco é de luxo, mas quem está se afogando é Salvador

Pois bem, minha gente. Enquanto Salvador enfrentava mais uma semana de chuvas que pareciam ter sido encomendadas por São Pedro no modo descarga total — com ruas virando rios, carros virando botes e moradores virando atletas aquáticos involuntários — a Prefeitura decidiu investir R$ 800 mil num evento para milionários exibirem lanchas reluzentes.

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Sim. Você não leu errado. Oito. Centos. Mil. Pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda — aquela mesma que deveria estar olhando para o desemprego, para o empreendedor ferrado, para a renda do povo — mas, aparentemente, decidiu que o povo precisa mesmo é de uma lancha de R$ 5 milhões para chamar de sua. Só falta liberar o crediário em 720 vezes no carnê da Coelba.

Enquanto isso, a cidade inteira vivia um episódio ao vivo de “Lava a Jato: versão Salvador”, com água entrando nas casas, nos ônibus, nos elevadores e quase nos sonhos. Mas, pelo visto, na cabeça da Prefeitura, a prioridade é clara: se é para afundar, que afunde todo mundo olhando para uma lancha bonita.

Salvador Boat Show: glamour na baía, caos na cidade

O tal evento reuniu fabricantes de lanchas, jet skis, motores e brinquedos que só quem tem CPF blindado pode comprar. E quem pagou para esse evento aquático ser montado? Isso mesmo: o contribuinte, que nem lancha tem e, com sorte, tem um guarda-chuva que já virou escultura pós-moderna no vento.

E o mais triste — ou mais engraçado, depende do humor da desgraça — é que:

  • As ruas alagaram;

  • As encostas cederam;

  • Os bueiros voltaram a trabalhar no sistema home office (já que na rua não dá);

  • A população ficou isolada;

  • E a cidade, mais uma vez, provou estar ZERO preparada para as mudanças climáticas.

Mas a Prefeitura, num esforço surpreendente de criatividade administrativa, concluiu que onde falta drenagem, sobra dinheiro para lancha.

Adaptação climática? Planos de risco? Gestão urbana? Isso é para os fracos

Salvar Salvador das enchentes?
Preparar a cidade para eventos extremos que só vão piorar?
Reforçar drenagem, galerias, encostas, canais?
Investir em monitoramento, alerta e mapeamento de áreas vulneráveis?

Que nada!

O que temos é a SEMDEC patrocinando festa náutica. Talvez porque, na cabeça deles, se a cidade virar Veneza, melhor já ter as lanchas prontas.

Enquanto isso, os investimentos em adaptação climática continuam na estaca zero — ou melhor, no subsolo, junto com os bueiros entupidos.

Prioridade pública virou piada pública

Eu fico me perguntando: que “emprego” e “renda” a Prefeitura acha que nasce de um evento desses? Vai gerar quantos postos de trabalho? Dois marinheiros e um rapaz para polir casco?

Enquanto isso, o trabalhador soteropolitano estava preso dentro do ônibus alagado em Cajazeiras, vendo o nível da água subir e se perguntando se já conta como transporte aquaviário.

E pior: a Prefeitura não esconde, não nega e ainda posa sorridente ao lado das lanchas, como se aquilo fosse um marco de desenvolvimento da cidade. O marco, de fato, existe: um marco zero da prioridade ambiental.

Salvador precisa de drenagem, não de desfile de iates

Quando uma cidade insiste em ignorar a crise climática e continua andando para trás, admito: fica difícil até fazer humor. Mas como isso aqui é uma coluna — não um atestado de óbito socioambiental — sigo firme:

  • Que tal pegar esses R$ 800 mil e limpar galerias antes da estação das chuvas?

  • Que tal investir em contenção de encostas para evitar tragédias anunciadas?

  • Que tal montar um plano municipal sério de adaptação climática, em vez de um catálogo de lancha importada?

  • Que tal a Prefeitura de Salvador se preocupar com o povo que pega ônibus, e não com o povo que pega marola?

Mas, pelo visto, Salvador vive aquela filosofia de barquinho de papel: se molhar, afunda. E está afundando.

Enquanto a cidade afoga, o luxo flutua

A imagem é perfeita para fechar esta coluna: moradores ilhados, com água no joelho; carros flutuando em avenidas que viraram represas; negócios destruídos pela chuva… e, no outro canto da cidade, um evento luxuoso com lanchas brilhando sob refletores.

É o retrato nu e cru da desigualdade ambiental:
a cidade afunda na lama enquanto a elite flutua no privilégio — patrocinada pela própria Prefeitura.

E quando vier a próxima chuva forte, porque ela certamente virá, eu só espero que o prefeito não apareça dizendo que “ninguém esperava esse volume de água”. Afinal, se colocou dinheiro público em lancha, não custa estudar um pouquinho o clima.

E quem sabe, um dia, Salvador não terá que aprender a nadar à força.

Até lá, sigo aqui: com minha caneta, meu humor ácido e meu guarda-chuva torto.

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Alexander Gomes
Alexander Gomes
Biólogo (CRBio 093123/04-D), Doutorando em Energia e Ambiente no PGEnAm/UFBA, com especialização em Licenciamento Ambiental e Educação Ambiental. Possui mais de 20 anos de experiência na área de consultoria e licenciamento, atuando em processos de licenciamento e gestão ambiental para empresas de diferentes portes e segmentos em todo o Brasil. Atualmente, atua de forma independente na fiscalização ambiental de municípios, com foco na defesa e proteção do meio ambiente — missão que entende como compromisso ético e profissional.


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