Se Salvador fosse uma árvore, estaria cortada na raiz, podada sem critério e com autorização da própria Prefeitura. Enquanto cidades do mundo avançam no planejamento urbano verde, nossa capital tropical, que deveria ser exemplo de resiliência e justiça ambiental, segue firme na corrida pelo título de “metrópole do cimento armado”. E se segurem: sem nem ao menos um Conselho da Cidade funcionando. Salvador é a cidade onde o Conselho virou lenda urbana — tipo a loira fantasma do Palácio Rio Branco — dizem que existe, mas ninguém viu.
A revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) está atrasada, e não é pouco. A lei municipal de 2016 dizia que o plano deveria ser revisado até junho de 2024. Estamos em julho de 2025 e… cadê o plano? Cadê a participação popular? Cadê os debates com a sociedade civil? Só aparece mesmo o pessoal do lobby da construção civil, que de tão presente já devia ter sala com ar-condicionado e cafezinho na SEDUR.
E o que fazem enquanto a cidade espera a revisão? Autorizam prédios de dezenas de andares na orla, inclusive com estudos que apontam risco de sombreamento das praias. Isso mesmo. Salvador vai se tornando a única cidade onde a praia pode estar de frente para o mar e mesmo assim viver na sombra — não de coqueiro, mas de concreto.
Aliás, que sombra mesmo? Porque até isso está escasso. Segundo o Censo 2022 do IBGE, Salvador é a segunda pior capital do Brasil em arborização urbana. Apenas 34,10% da população vive em ruas com pelo menos uma árvore. Uma. Árvore. Enquanto isso, a cidade de Campo Grande tem mais árvore que poste. E a gente? Tem poste demais e sombra de menos.
E não adianta vir com discurso de corredor verde, plano de arborização e outras promessas de PowerPoint do plano de governo do atual prefeito Bruno Reis. A cidade não planta, não cuida, não fiscaliza. As calçadas continuam secas, esburacadas, e com sorte você encontra uma muda agonizando num canteiro de cimento rachado. Salvador virou a cidade do paisagismo de fachada — só tem verde na propaganda da obra, porque na entrega é piso drenante e coqueiro anêmico.
E o Conselho Municipal de Meio Ambiente, você pergunta? Está morto, enterrado e sem previsão de exumação. Inativo desde 2021, ele é o retrato da nossa democracia ambiental sequestrada. O prefeito decide, a SEDUR chancela, e o povo só fica sabendo quando o trator já derrubou tudo. A revisão do PDDU deveria ser feita com participação popular e controle social. Mas o que temos é uma gestão autoritária que ignora conselhos e prefere resolver tudo no gabinete com vista para o mar.
E não se engane: a ausência de arborização e o avanço descontrolado do setor imobiliário não são problemas “estéticos”. Eles têm consequências diretas na saúde, no microclima urbano, na desigualdade socioambiental. Salvador virou uma panela de pressão climática, e quem mais sofre são os bairros periféricos, onde o calor é mais intenso e a arborização é zero.
O que essa cidade precisa é de um novo modelo de desenvolvimento urbano que coloque o meio ambiente no centro do debate. E não basta plantar meia dúzia de árvores na orla da Barra para inglês ver. É preciso corredores ecológicos interligando bairros, política de arborização com metas, manutenção e orçamento, além de proibir o sombreamento da orla marítima por prédios que mais parecem muralhas de um castelo distópico.
Enquanto isso não acontece, a gente segue denunciando, escrachando e cobrando. Porque, meu caro leitor, não se faz cidade inteligente com burrice ambiental. E muito menos cidade sustentável com o conselho ambiental de férias eternas.
Se Salvador continuar nessa toada, vai ser lembrada como a capital onde até o vento quente se esconde da falta de árvore.
E a gente aqui, na sombra de nada.
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