
O Ministério Público Federal (MPF) passou a analisar uma denúncia que aponta possíveis irregularidades nos editais lançados pela Secretaria Municipal de Cultura de Dias D’Ávila com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).
O caso tramita no âmbito da área de “Combate à Corrupção”, e envolve possíveis atos de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública.
Os documentos anexados à denúncia — obtidos e analisados pelo É Notícias — apontam indícios de uso indevido de verbas federais e desvio de finalidade, especialmente em iniciativas que priorizam ações de comunicação institucional e capacitação administrativa, e não o fomento direto a artistas, grupos e coletivos culturais, como determina a Lei nº 14.399/2022.
O Edital nº 04/2025 – “Capacita Cultura” é um dos principais alvos da representação. Embora tenha como objetivo “promover ações formativas e de qualificação na área cultural”, o documento destina R$ 27.280,63 a uma única empresa privada com fins lucrativos, sob o formato de termo de execução cultural, para ministrar oficinas e capacitações.
Juristas afirmam que a medida utiliza recursos federais para finalidades que são obrigações administrativas permanentes do poder público, como a capacitação de servidores e agentes culturais.
“O município não pode usar o dinheiro do fomento, que é destinado aos fazedores de cultura, para realizar cursos ou programas que fazem parte de suas funções rotineiras. Isso desvirtua completamente a finalidade da PNAB”, explica o advogado e pesquisador em gestão cultural Lucas Freitas.
O edital também exige plano de metas, relatórios, produtos e monitoramento direto pela Secretaria — exigências que, segundo especialistas, se aproximam de um contrato administrativo típico, e não de fomento cultural participativo.
Outro ponto levantado na denúncia é o Edital nº 05/2025 – “Influencer Digital Cultural”, que prevê R$ 27 mil para um único influenciador digital realizar capacitações e ações voltadas à “formação técnica e criativa de agentes culturais locais”.
No entanto, o texto oficial determina que o participante deverá “produzir e registrar conteúdos audiovisuais culturais durante a formação (vídeos, campanhas, entrevistas, curtas digitais)” e “disponibilizar esse acervo nas redes oficiais da Secretaria de Cultura, criando uma ‘Mostra Digital da Cultura Local’”.
Para juristas, esse trecho vincula diretamente a execução do projeto à produção de conteúdo para canais oficiais da Prefeitura, o que dá ao programa características de publicidade institucional financiada com verba de fomento federal.
“A PNAB foi criada para apoiar artistas e coletivos, não para financiar comunicação de governo. Usar esses recursos para produzir conteúdo institucional, mesmo sob a justificativa de formação digital, afronta o princípio da finalidade pública e o caráter descentralizador da lei”, afirma a advogada e consultora em políticas culturais Rita Mendes.
Ambos os editais impõem requisitos técnicos e empresariais — como conta bancária específica, CND municipal e portfólio —, o que restringe a participação de coletivos informais e artistas independentes, público prioritário da PNAB.
O prazo de inscrição foi de apenas cinco dias úteis (de 17 a 21 de outubro de 2025), com entrega presencial de documentos. Conforme o Diário Oficial de 24 de outubro, apenas um inscrito foi habilitado em cada edital.
A comissão de seleção também é composta apenas por servidores municipais, sem a participação do Conselho Municipal de Cultura, contrariando o artigo 8º da Lei Aldir Blanc II (Lei nº 14.399/2022), que determina participação social nos processos de fomento.
As Portarias nº 002/2025 e nº 003/2025, que instituíram as comissões avaliadoras, não divulgaram os nomes dos membros nem os critérios de pontuação, violando o princípio da publicidade previsto na Lei nº 14.903/2024 e no Decreto nº 11.740/2023.
Especialistas alertam que a ausência de pluralidade, contrapartidas sociais e participação popular fragiliza o objetivo da PNAB, que busca garantir diversidade cultural, acesso democrático e fortalecimento das expressões locais.
Em agosto de 2025, o É Notícias já havia revelado que o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) investiga a aplicação de R$ 101.619,88 da Lei Paulo Gustavo em supostos contratos irregulares envolvendo servidores e produtores locais.
Agora, com o protocolo da denúncia no Ministério Público Federal, o caso passa a envolver recursos da União, podendo resultar em inquérito civil, ação de improbidade ou apuração criminal, caso sejam confirmados os indícios apresentados.
A representação pede que o Ministério Público Federal oficie o Ministério da Cultura, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA) e a Controladoria-Geral da União (CGU) para apurar o uso dos recursos federais e, se confirmadas as irregularidades, determine bloqueio de valores e responsabilização dos gestores.
Na esfera criminal, as condutas descritas podem, em tese, configurar peculato, fraude em processo público e improbidade administrativa, com sanções que incluem perda da função pública, multa e reclusão.
Os pedidos de esclarecimento foram encaminhados à Secretaria Municipal de Cultura e à Prefeitura de Dias D’Ávila, mas não houve resposta oficial até o fechamento desta edição.
O É Notícias reitera seu compromisso com a transparência, o contraditório e o direito de resposta.