Com quase 40% do seu quadro funcional formado por estagiários e um aumento de 653% no número desses contratos em apenas cinco meses, a Câmara de Vereadores de Mata de São João está sob o olhar crítico da população. Enquanto a ausência de concursos públicos persiste, surgem questionamentos sobre a transparência nas contratações e a possibilidade de que o programa de estágio esteja sendo usado como ferramenta de favorecimento político.
A Câmara de Vereadores de Mata de São João encerrou maio de 2024 com 85 estagiários em sua folha de pagamento, representando quase 40% do total de servidores. Ao mesmo tempo, o número de efetivos, que deveria ser a base sólida da administração pública, demonstra menos de 10 funcionários no mesmo período. Este cenário contrasta com o crescimento acelerado dos contratos de estágio, que saltaram de 13 para 85 entre janeiro e maio, indicando um aumento de 653%.
Embora o programa de estágio ofereça uma importante oportunidade para jovens estudantes adquirirem experiência prática, especialistas e membros da sociedade levantam preocupações sobre a finalidade real dessas contratações. Segundo críticos, há indícios de que o programa possa estar sendo desvirtuado, servindo não apenas para suprir a falta de servidores, mas também para atender a interesses políticos.
Estágio ou benefício político
A ausência de um processo seletivo público e transparente para a escolha de estagiários levanta dúvidas sobre a imparcialidade das contratações. Com isso, surge o risco de que essas vagas estejam sendo utilizadas para atender indicações políticas, fortalecendo relações de apadrinhamento e clientelismo em detrimento da finalidade educativa prevista pela Lei do Estágio (nº 11.788/2008).
De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), programas de estágio no setor público devem seguir critérios rigorosos de transparência e supervisão. A contratação de estagiários sem um processo impessoal não apenas compromete o objetivo formativo do programa, mas também pode ser interpretada como uma forma de uso indevido da máquina pública para obter vantagens políticas.
Para o MPT, o contrato de estágio deve colaborar com a formação educacional, e não ser utilizado para reduzir custos trabalhistas ou criar vínculos de dependência política. Esse alerta é especialmente relevante em contextos onde a falta de servidores efetivos abre margem para o uso de estagiários como mão de obra barata e politicamente conveniente.
Reflexos da falta de concursos públicos
A inexistência de concursos públicos há anos em Mata de São João contribui para o atual cenário. Sem a renovação de quadros efetivos, a Câmara recorre a soluções temporárias, como o aumento no número de estagiários, para manter suas atividades. No entanto, essa prática pode comprometer a eficiência administrativa e violar princípios como moralidade e impessoalidade, pilares da gestão pública.
Além disso, a dependência de estagiários levanta outro ponto sensível: o risco de fragilidade nas operações internas. Diferentemente de servidores concursados, estagiários não possuem vínculo duradouro com a instituição, o que pode afetar a continuidade e a qualidade dos serviços prestados.
Transparência e ética como prioridades
A discussão sobre o uso de estagiários na Câmara de Mata de São João transcende o debate técnico. Ela expõe um dilema ético que afeta diretamente a confiança da população na administração pública. Para que o programa de estágio cumpra sua função social, é fundamental que sejam implementados processos de seleção claros, impessoais e auditáveis, garantindo que as vagas sejam destinadas a quem realmente necessita da experiência profissional para complementar sua formação.
Além disso, é essencial que a Câmara reveja suas políticas de contratação de pessoal e priorize a realização de concursos públicos para recompor o quadro de servidores efetivos. Somente assim será possível assegurar que as funções administrativas sejam desempenhadas por profissionais qualificados, comprometidos exclusivamente com o interesse público.
Considerações
O caso da Câmara de Mata de São João é um retrato de um problema que se repete em diversas cidades brasileiras: a precarização do serviço público e o uso de programas de estágio como paliativos para questões estruturais e, possivelmente, como moeda política. A sociedade deve exigir respostas claras e fiscalização rigorosa para que o uso de estagiários esteja alinhado aos princípios éticos e legais, garantindo que o foco continue sendo a formação de futuros profissionais e não o atendimento a interesses políticos de curto prazo.