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Tartaruga-cabeçuda natural da Praia do Forte nada de volta para casa após ser capturada em 1984 na Argentina

Animal já percorreu mais de 3.500 km e é monitorado por cientistas na Baía de Guanabara em sua jornada rumo ao litoral baiano

Ramon Santos (DRT-6448/BA)
Por: Ramon Santos (DRT-6448/BA)
26/07/2025 às 23h28 Atualizada em 26/07/2025 às 23h36
Tartaruga-cabeçuda natural da Praia do Forte nada de volta para casa após ser capturada em 1984 na Argentina
Jorge nadando em piscina com água salgada, durante o processo de reabilitação — Foto: Divulgação

Décadas presa em um tanque raso em Mendoza, na Argentina, a centenas de quilômetros do mar, não apagaram da memória de Jorge o caminho para casa. A tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), originária da Praia do Forte, em Mata de São João, no Litoral Norte da Bahia, passou 37 anos em cativeiro e agora, aos 60 anos de idade, nada em liberdade pelas águas do Oceano Atlântico, a caminho de seu habitat de origem.

Desde que foi devolvida ao mar, no dia 11 de abril de 2025, Jorge já percorreu mais de 3.500 quilômetros. Após atravessar as agitadas águas do litoral argentino, a tartaruga chegou ao litoral do Rio de Janeiro, onde foi registrada na Baía de Guanabara no último dia 16 de julho. Agora, faltam pouco mais de 1.300 quilômetros até reencontrar sua “água natal” na Praia do Forte, em Mata de São João.

Imagem do trajeto realizado por Jorge até a última quinta-feira (24) — Foto: Reprodução

Com aproximadamente 100 quilos, Jorge é monitorada por uma rede de cientistas que acompanha sua trajetória em tempo real. O Grupo de Investigação de Mamíferos Marinhos, composto pelo Aquário de Mar del Plata, Museu Argentino de Ciências Naturais e Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras da Universidade Nacional de Mar del Plata, iniciou o acompanhamento via satélite desde a soltura do animal. Agora, no Brasil, a responsabilidade está com o Projeto Aruanã, que reúne pesquisadores do Brasil, Argentina e Uruguai focados na conservação de tartarugas marinhas no Atlântico.

— A ideia é conduzir Jorge para fora da Baía de Guanabara, para que ele siga seu caminho até a Praia do Forte, em Mata de São João, na Bahia. Aqui não é o lugar mais seguro para ele ficar — explicou Suzana Guimarães, coordenadora do projeto Aruanã.

Apesar da rica biodiversidade da Baía de Guanabara, o local representa riscos à sobrevivência de espécies marinhas, devido à poluição por esgoto, presença de poluentes químicos, tráfego intenso de embarcações e práticas de pesca. Por isso, a equipe já acionou comunidades pesqueiras e instituições de pesquisa para alertar sobre a presença do animal e garantir a segurança de sua travessia.

Jorge tem um dispositivo rastreador acoplado ao casco, que envia dados diários de localização. Segundo os registros mais recentes, o animal está entre a Ilha de Paquetá e o bairro da Ilha do Governador. A recomendação dos pesquisadores é que, em caso de avistamento, a população mantenha distância e evite qualquer tentativa de aproximação ou captura, além de informar imediatamente à equipe do Projeto Aruanã.

Quatro décadas longe do mar

A história de Jorge começou a mudar em 1984, quando foi encontrada ferida e desorientada por pescadores na gelada região de Bahía Blanca, na Argentina, em plena rota migratória da espécie. Na época, reabilitações e reintroduções de tartarugas marinhas ainda eram raras. Por isso, Jorge foi levada ao aquário da cidade de Mendoza, onde viveu por 37 anos em uma piscina rasa de apenas 1,5 metro de profundidade e 20 mil litros de água salgada.

Durante décadas, Jorge sobreviveu comendo ovos cozidos e carne bovina. Tornou-se uma celebridade local, mas a pressão por seu retorno ao oceano cresceu nos últimos anos. Uma petição com mais de 60 mil assinaturas e uma ação judicial em 2021 levaram a Prefeitura de Mendoza a aceitar o desafio da soltura.

O processo de reintegração foi cuidadosamente conduzido no Aquário de Mar del Plata, onde Jorge passou os últimos três anos em um tanque de 150 mil litros de água com três metros de profundidade. A readaptação envolveu várias etapas: ajuste gradual da salinidade da água, exames clínicos, adaptação alimentar (incluindo caranguejos e caramujos vivos), controle de temperatura entre 20ºC e 24ºC e criação de correntes artificiais para estimular o nado.

— Aprendeu rápido a caçar e se alimentar sozinho — contou Alejandro Saubidet, diretor científico do aquário, ao jornal argentino La Nación.

Em 11 de abril de 2025, Jorge foi solta no mar com um telêmetro acoplado ao casco. Em poucos segundos, mergulhou e seguiu a corrente marítima rumo ao Brasil. A Baía de Guanabara, onde se encontra atualmente, foi reconhecida em 2022 como nova rota migratória da espécie, em função da abundância de alimentos como camarões e caranguejos — os preferidos das tartarugas-cabeçudas.

A expectativa da equipe científica é que Jorge siga sua jornada em direção à Praia do Forte, em Mata de São João, onde poderá, enfim, reencontrar o território onde nasceu. O caso de Jorge representa não apenas uma história de retorno e resistência, mas também um marco na ciência da conservação marinha. Seu trajeto continua a ser acompanhado com esperança — e com os olhos voltados ao litoral baiano.

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