Um aterro sanitário operado pela empresa Recycle Waste Energy, de propriedade do filho do ex-governador Paulo Souto (União Brasil), está no centro de uma grave crise ambiental e política na Bahia. Instalado em uma área de extrema sensibilidade, o empreendimento ameaça contaminar o Aquífero Marizal–São Sebastião, principal fonte de água que abastece milhões de pessoas na Região Metropolitana de Salvador (RMS). O caso tramita em sigilo no Ministério Público Federal (Inquérito Civil Público nº 1.14.000.000539/2025-84) e expõe indícios de falhas graves, negligência e favorecimento político por parte do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (INEMA).
A empresa recebeu licenças prévia, de instalação e de operação para depositar mais de 500 toneladas de resíduos por dia em um local legalmente protegido, mas a autorização foi concedida sem a exigência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), obrigatório em casos de alto risco. Documentos e pareceres técnicos aos quais a reportagem teve acesso mostram que a equipe inicial do INEMA responsável pela análise indeferiu o projeto, apontando o perigo de contaminação do aquífero e a incompatibilidade com a área de preservação. No entanto, em uma manobra considerada atípica, a equipe técnica foi substituída sem justificativa formal e o novo grupo liberou as licenças, ignorando não apenas o parecer contrário, mas também manifestações da Embasa, do CREA-BA, da própria Diretoria de Unidades de Conservação do INEMA e do Conselho Gestor da APA Joanes-Ipitanga, todos contrários à instalação do aterro.
Os riscos são concretos. Relatórios da própria Recycle Waste Energy utilizados no processo de licenciamento indicam que o solo da região possui instabilidade geotécnica, o que fragiliza a barreira natural contra vazamentos. Isso aumenta a probabilidade de o chorume infiltrar-se até o lençol freático, diretamente ligado ao Aquífero São Sebastião. A contaminação desse manancial pode provocar uma crise hídrica sem precedentes em Salvador, Lauro de Freitas, Simões Filho e Camaçari, com danos irreversíveis à saúde pública e ao meio ambiente.
O licenciamento também descumpriu exigências legais relacionadas às comunidades tradicionais. Não foram realizados os estudos de componente quilombola, mesmo sendo a região reconhecidamente habitada por comunidades desse perfil. Além disso, o aterro foi instalado dentro dos limites da APA Joanes-Ipitanga, uma unidade de conservação, sem a anuência obrigatória de seu conselho gestor, em mais uma violação à legislação ambiental.
Diante da série de irregularidades, entidades ambientais e lideranças comunitárias recorreram ao MPF, pedindo a suspensão imediata das atividades do aterro, a anulação do licenciamento e a responsabilização dos envolvidos. Um vídeo denunciando o caso tem circulado em grupos de WhatsApp e redes sociais, reunindo documentos oficiais, pareceres técnicos e provas das irregularidades no link abrir.link/gByYS, e gerando forte mobilização popular.
Procurados pela reportagem, o INEMA e a Recycle Waste Energy não se manifestaram até o fechamento desta edição.