
O esgotamento emocional tem se tornado cada vez mais frequente no ambiente de trabalho e já é considerado um dos principais desafios da saúde mental na atualidade. Para esclarecer os sinais de alerta, os impactos no corpo e na mente, além das formas de prevenção e das responsabilidades das empresas, o É Notícias entrevistou o psiquiatra Thiago Dourado, que detalha como o burnout se desenvolve e quando é fundamental buscar ajuda profissional.
Raymara Araújo – Como é possível identificar os primeiros sinais de esgotamento emocional e do burnout?
Thiago Dourado –
Os primeiros sinais aparecem tanto no corpo quanto na mente. Quando esse esgotamento está diretamente relacionado ao trabalho, damos o nome de burnout, que é um estado de exaustão física e psicológica provocado pela atividade profissional.
Um sinal muito comum é a desmotivação para o trabalho, acompanhada de cansaço constante. Muitos pacientes relatam que, já no domingo, começam a sentir taquicardia, angústia e um mal-estar intenso só de pensar em iniciar a semana. Isso indica que o corpo tenta evitar um ambiente que ele reconhece como opressor ou prejudicial.
Raymara – O que acontece no corpo quando a pessoa vive sob estresse constante?
Thiago Dourado –
Existe uma região do cérebro chamada amígdala, responsável pelo sistema de alerta do organismo. Esse sistema é essencial para a sobrevivência, pois nos mantém atentos aos perigos. O problema surge quando ele permanece ativado por longos períodos, como ocorre em profissões de alto risco ou grande responsabilidade, a exemplo de policiais e profissionais da saúde.
Com o estresse prolongado, esse sistema passa a disparar mesmo sem uma ameaça real, liberando constantemente substâncias como adrenalina e cortisol. Ao longo do tempo, isso provoca prejuízos como aumento da pressão arterial, da glicemia, dificuldade de concentração e falhas na memória de curto prazo.
Raymara – Quais são os principais sintomas físicos do burnout?
Thiago Dourado –
Após um período prolongado de descarga adrenérgica, o corpo tenta se equilibrar ativando o sistema parassimpático, responsável por desacelerar o organismo. Nesse processo, podem surgir sintomas como queda da pressão arterial, tontura, suor excessivo nas mãos, mãos frias, náuseas e até diarreia.
Esses sinais físicos funcionam como um alerta claro de que o corpo está sobrecarregado e tentando compensar um estado de estresse extremo.
Raymara – E do ponto de vista psicológico, o que costuma aparecer primeiro?
Thiago Dourado –
Os sintomas psicológicos geralmente começam com um distanciamento social. A pessoa passa a se isolar, evita conversas, torna-se mais reservada e perde a motivação pelo trabalho. Também surge uma sensação constante de estagnação, de que nada evolui.
Quando não tratado, esse quadro pode evoluir para sintomas psiquiátricos mais graves. Já atendi pacientes que desenvolveram quadros dissociativos, com perda parcial do contato com a realidade, além de delírios ou alucinações. Dependendo da personalidade, o estresse pode ativar transtornos psiquiátricos que estavam latentes.
Raymara – Existe responsabilidade das empresas nesses casos?
Thiago Dourado –
Sem dúvida. A saúde mental no trabalho não é apenas uma questão individual, mas também uma responsabilidade das empresas. Existem normas como a NR-1, que trata do gerenciamento de riscos ocupacionais, incluindo pressão excessiva, assédio e jornadas exaustivas.
A NR-7 prevê o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, com acompanhamento por médico do trabalho. Além disso, a Lei nº 14.457/2022 alterou a CLT para incluir, no âmbito da CIPA, ações de prevenção ao assédio moral e sexual, fatores que são grandes gatilhos para o adoecimento mental.
Raymara – Qual é o melhor momento para procurar ajuda profissional?
Thiago Dourado –
O ideal é procurar ajuda antes de chegar ao burnout. A prevenção é fundamental. Assim como realizamos check-ups para cuidar do coração ou da glicemia, também precisamos cuidar da saúde mental.
Esse cuidado começa com uma autoanálise: como estou me sentindo? Algo mudou no meu comportamento? Conversar com alguém de confiança e buscar o apoio de um psicólogo pode evitar que o estresse evolua para algo mais grave.
Raymara – Qualquer médico pode diagnosticar o burnout?
Thiago Dourado –
Não. O diagnóstico de burnout segue critérios específicos. Mesmo que um psiquiatra identifique sintomas compatíveis, ele não pode, sozinho, atestar o burnout. De acordo com normas do Conselho Federal de Medicina, é necessário que o profissional conheça o ambiente de trabalho do paciente.
Isso é essencial para confirmar que o adoecimento está, de fato, diretamente relacionado às condições laborais.
A entrevista evidencia que o burnout não surge de forma repentina. Trata-se de um processo silencioso, que envolve corpo, mente e ambiente de trabalho. Reconhecer os sinais precocemente, buscar ajuda especializada e promover ambientes profissionais mais saudáveis são passos fundamentais para preservar a saúde mental dos trabalhadores.