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Secretário-pastor de Dias d’Ávila admite ter alterado edital para favorecer setor evangélico e usa matriz africana e cultura cigana como justificativa

Em entrevista, gestor afirmou que a lei manda privilegiar culturas evangélica, de matriz africana e cigana, e disse que apenas a evangélica “não era beneficiada” no município; documento oficial confirma alteração do edital para contemplar o segmento do próprio secretário

Ramon Santos (DRT-6448/BA)
Por: Ramon Santos (DRT-6448/BA)
17/11/2025 às 20h16 Atualizada em 17/11/2025 às 22h01
Secretário-pastor de Dias d’Ávila admite ter alterado edital para favorecer setor evangélico e usa matriz africana e cultura cigana como justificativa
Pastor Junior de Araci assumiu a secretaria de Cultura em maio, após desmembramento da secretaria de esporte. - Foto: Reprodução | Facebook

O Secretário Municipal de Cultura de Dias d’Ávila — que também é pastor evangélico — reconheceu publicamente ter cancelado e refeito um edital da Lei Aldir Blanc com o objetivo de inserir “benefício a cultura evangélica”. A declaração foi dada durante entrevista a uma rádio web e corresponde ao que está registrado no Termo de Cancelamento do Edital nº 001/2025, publicado no Diário Oficial do Município.

Segundo o documento, o edital foi anulado “para garantir a participação de candidatos vinculados à música gospel, artes cênicas gospel, literatura gospel e outras manifestações gospel”. A justificativa confirma que a mudança foi motivada por interesse religioso, não por critérios técnicos.

Durante a entrevista, ao responder críticas sobre a reformulação do edital, o secretário afirmou:

“A lei diz que a cultura evangélica tem que ser privilegiada, como também a cultura de matriz africana, a cultura cigana e os outros tipos de cultura. E no município a cultura evangélica não era beneficiada.”

Com isso, o secretário usa a existência de outros segmentos previstos em lei para justificar a criação de um privilégio específico ao setor evangélico no município, ainda que não haja qualquer comprovação de que culturas de matriz africana ou ciganas tenham recebido benefícios reais em Dias d’Ávila.

O É Notícias ouviu lideranças da cultura de matriz africana, que contestaram a fala do secretário:

  • “Seguimos invisíveis. Não há benefício específico para nossas tradições em Dias d’Ávila.”

  • “É surpreendente ouvir que somos beneficiados, quando na prática nunca fomos realmente incluídos. Até somos citados, mas a gestão não faz por nós nem uma fração do que anuncia.”

As declarações reforçam que o suposto equilíbrio apontado pelo secretário não existe e que o privilégio criado atende exclusivamente ao segmento evangélico.

Um professor de teologia e filosofia ouvido pelo É Notícias explicou que a Lei Aldir Blanc permite financiar manifestações culturais gospel, mas veda qualquer forma de proselitismo ou doutrinação religiosa com recursos públicos.

Segundo ele:

“A lei admite cultura gospel como expressão artística, mas não autoriza que recursos públicos se transformem em instrumentos de doutrinação. Quando a política cultural passa a servir a um único grupo de fé, há risco de violar o Estado laico.”

A apuração do É Notícias identificou que parte dos contemplados no edital refeito é composta por pastores e lideranças religiosas próximas ao secretário e à sua esposa, que ocupa cargo na própria Secretaria de Cultura. A presença recorrente de aliados religiosos da gestão entre os beneficiados reforça suspeitas de direcionamento.

Na mesma entrevista, ao ser questionado por um ouvinte sobre a realização de um grande evento evangélico na cidade, o secretário respondeu:

“O grosso da cultura, que é o valor da PNAB, não chegou ainda. Mas chega no final de dezembro e vamos executar.”

Segundo apuração do É Notícias, o repasse da PNAB ultrapassa meio milhão de reais. Pelo que afirmou o secretário, esse valor deve financiar um evento de grande porte voltado ao público evangélico — novamente sem previsão de atividades equivalentes para outros segmentos culturais.

No Festival Voz Estudantil, promovido pela gestão municipal, das 33 músicas apresentadas pelos alunos da rede pública, 23 eram de louvor gospel. A predominância chamou atenção de membros da comunidade escolar e levantou preocupação sobre possível indução religiosa e risco de doutrinação em um ambiente educacional que deveria prezar pela diversidade cultural e pela neutralidade pedagógica.

O conjunto dos atos — cancelamento de edital com justificativa religiosa, privilégio explícito ao setor evangélico, beneficiários ligados ao secretário, uso planejado de verba federal para megaevento gospel e predomínio de repertório evangélico em ações estudantis — revela um padrão de atuação.

O problema não é a cultura evangélica, que tem legitimidade e importância no cenário cultural.
O problema é que a Secretaria de Cultura de Dias d’Ávila tem atuado sem equilíbrio, privilegiando apenas o segmento religioso do próprio secretário, enquanto outras tradições — especialmente as de matriz africana — permanecem à margem das políticas culturais do município.

Até o momento, a gestão não apresentou medidas capazes de garantir isonomia, pluralidade ou representatividade nas ações culturais públicas.

A redação do É Notícias procurou o secretário, a Secretaria de Cultura e a Prefeitura de Dias d’Ávila para comentar os fatos. Até o fechamento desta matéria, não houve resposta. O espaço permanece aberto para quaisquer pronunciamentos.

 
 
 
 
 
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